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Detox

Em um dos nossos seminários semanais, uma ideia me atravessou e costurou coisas que me encucavam fazia tempo. Sobre como tratamos o corpo e como tratamos a vida.


Surgiu em determinado momento o tema detox, desintoxicação. Essencialmente um período curto de tempo que se propõe a limpar, de certa forma. Não me saiu da cabeça a ideia por trás desse conceito: parece que, mesmo sabendo que não é definitivo, o detox se apoia na esperança de dar conta de tirar 'o que não presta' e começar 'do zero’- em algum nível. Essa mesma ideia se aplica, por exemplo, a jejuns opcionais e lavagens internas eletivas, como enemas intestinais e duchas vaginais. Lembrei como antigamente o desinfetante Lysol era vendido como solução para higiene íntima regular - afinal, que perigo o que pode sair desse buraco, não é? ;)




Mas então, o que acontece nessas lógicas de limpeza, de resolução? De onde vêm? Talvez de uma tentadora fantasia de controle, como se fosse possível resolver (qualquer coisa) de uma vez, dentro de um prazo determinado. Como uma queixa em consultório de um sujeito cansado do próprio sintoma e clama que quer que se resolva AGORA (como se desse para arrancar todo um gramado em uma puxada). Ou uma terapia grupal que se propõe a resolver todos os traumas em uma vivência de fim de semana, ou o uso de alucinógeno com a intenção de destravar tudo em um uso, ou busca de uma hipnose que se promete definitiva em uma sessão. Como um extreme makeover da televisão. Como quem quer tirar do corpo, e da alma, tudo o que é tóxico de uma só vez.


Quando ouço essas demandas me sobrevém um pensamento da Ayurveda e que enxergo na psicanálise, de considerar as condições e a também a possibilidade: vivemos uma vida toda de coisas que vieram para dentro pela boca-nariz-ouvidos-olhos-pele-poros, seguirá sendo assim. Esse movimento é infinito. Não dá para parar de permear, afetar, nutrir (ou intoxicar).


Todos os dias, e o tempo todo, seguimos comendo-bebendo-respirando-escutando-falando… agindo, escolhendo. Partindo desse saber, pode-se estar atento ao que se bota 'na boca' e, ao fazer melhores escolhas, a cada vez, ir limpando. Desintoxicando. Se aliar a pensamentos e alimentos distintos. Claro, sabendo que não temos, por exemplo, como tirar os metais e agrotóxicos e microplásticos da água e do ar, assim como não vamos viver no vácuo longe do sistema econômico vigente ou das demandas do Outro. Não é para se iludir, mas existe muito espaço para manobra e a diferença.


Tem uma fala carrego comigo sempre: o corpo é autolimpante (não, não precisa lavar com sabão o canal vaginal, o intestino, a mucosa dos olhos), mas a gente precisa dar para ele força e condições de se limpar. Ajuda, por exemplo, não solapar ele de lixo, ou tomar litros de chá diurético e tendo falência renal, ou 'chuchando' Lysol para dentro para desinfetar o que não precisa desinfecção. Os exemplos são literais, mas considerem outras dimensões do que isso pode representar.


A Pulsão, a Vida, é uma força constante. É de direito, sim, mas precisa ser exercida de fato - e a cada vez. Não de uma vez só, semestralmente, ou sazonalmente. Não é um armário de roupa ou um cômodo encardido, é uma vida em ato.



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texto de Amanda Talhari

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